Minha flor e fortaleza

[:pb]linda-flor-no-cepo-wallpaperComo manter-se leve diante desta palavra tão pesada? Câncer.  Não sei se é possível, por isso, resolvemos aboli-la do nosso vocabulário assim que recebemos a notícia.

– Infelizmente é maligno, disse o médico residente à minha mãe.

Tenho certeza de que um soco no estômago teria doído menos.  Mas, com o resultado nas mãos e muitas incertezas na cabeça, saímos do hospital e entramos ainda mais no mundo dos Bi-RADs.  Para mim, talvez, esse tenha sido o momento mais difícil, pois todas as dúvidas e medos vieram à tona.  Ainda assim, naquele instante, era ela quem merecia – e teria – todo o apoio do mundo. E eu, pela primeira vez, tomei o lugar da fortaleza que ela representara pra mim até aquele dia de nossas vidas.

Eu a deixei sentada num banco e a fiz prometer que ficaria ali até que eu voltasse com os papéis que precisavam ser xerocados e entregues num outro lugar.  Sabia o quanto estava abalada e, por isso, insisti para que não atravessasse a rua e me esperasse exatamente onde eu a havia deixado.

Eis que, no caminho de volta, eu a encontro, do outro lado da rua, caminhando em minha direção.  Observando meu olhar de reprovação, ela logo disse, como que se desculpando por ter me desobedecido:

– Eu olhei para os dois lados, juro!!!

Foi então que, nos dando conta da explícita e até cômica inversão de papéis, caímos na risada. E essa foi só a primeira de muitas outras que viriam, não só naquele dia, mas durante todo o período de seu tratamento e recuperação.  Foi ainda naquele mesmo instante que fizemos um trato.  Primeiro, de que aquela palavrinha lá do início jamais seria pronunciada, pois ela já traz consigo um peso intrínseco, indesejado e desnecessário.  Combinamos, também, que diminuiríamos o peso de tudo o que fosse possível. O nódulo seria apenas um pequeno nó que seria desfeito e a quimioterapia o bendito remédio que a deixaria bem e saudável  de novo.  Decidimos, ainda, que agradeceríamos por todas as coisas boas que conseguíssemos enxergar naquela situação.  Confesso que acabamos nos surpreendendo com a quantidade delas…

Claro que passamos por fases não tão fáceis.  Óbvio que ela também sofreu os efeitos, embora muito mais os físicos do que os emocionais, do tratamento.  Ainda assim, ela seguia me surpreendendo.  Me surpreendeu quando entrou na loja de perucas sorrindo, determinada a encontrar o melhor modelo.  Me surpreendeu por nunca ter pronunciado uma única palavra de reclamação por ter que viajar até São Paulo antes, durante e depois do tratamento. Me surpreendeu por jamais ter se queixado de ter que tomar uma injeção ou um outro remédio qualquer.   Acabou surpreendendo até os médicos que, recentemente, escolheram o caso dela, considerado um sucesso, para ser apresentado num congresso.

Ainda que, por vezes, tivéssemos nos dado permissão para sentir e chorar quando tivemos vontade, não tenho a menor dúvida de que a maneira positiva que lidamos com todas as fases desse processo desgastante e dolorido foi, em grande parte, responsável pela sua pronta e bem-sucedida recuperação.   Durante todo aquele período, eu a tratei, e acho que ainda o faço, como se fosse a flor mais rara, mais delicada e mais preciosa do mundo que merecia todo o cuidado, paciência e amor que me fosse possível doar.  Talvez até exagerasse na dose, pretenciosamente acreditando que pudesse ocupar o insubstituível papel de mãe que ainda nem sou.  E, ela, mais uma vez, me surpreendeu.   Embora estivesse mais frágil e certamente até um pouco vulnerável, percebi que o papel de fortaleza também nunca havia sido desocupado.  Afinal, era ela quem, bravamente, mantinha todas as qualidades de força, valentia e resiliência que tal título merece.   E, tudo isso, com muita leveza.

A você, mãezinha, todo meu amor e minha mais profunda admiração.[:]

Comments 12

  1. Lys,
    Esse relato é uma ótima forma de exemplificar que nossos problemas são do tamanho que damos a eles.
    Obrigado!
    LuiZ 🙂

    1. Post
      Author
    1. Post
      Author
    1. Post
      Author
  2. Eu li 🙂
    Lindo Lys… cd vez mais tenho a forte crença q somos exatamente responsáveis pelo q passamos em nossas vidas…
    vc sempre vivenciando e compartilhando, linda 🙂
    fico feliz q tenha ficado tudo bem…
    Beijos

    1. Post
      Author
    1. Post
      Author
  3. Lindo texto! Tenho certeza que sua mãe sente muito orgulho de você 🙂 e lendo esse texto posso confirmar com toda certeza que sua mãe é uma mulher guerreira e tenho prazer de conhece lá cada dia mais 🙂

    1. Post
      Author

      Oi Pollyana,
      Minha mãe sempre fala muito de você. E sempre muito bem.
      Obrigada por cuidar um pouquinho dela por mim… 🙂
      Beijão

Deixe uma resposta para LuiZ Andrade Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *