Uma carta a meu pai

[:pb]caminho para o ceuSabe, pai, hoje, mais uma vez, vejo comemorarem o dia dos pais. Um dia que nunca fez muito sentido pra mim, pois essa figura nunca fez parte da minha vida. Você se foi bem cedo, quando eu ainda nem era capaz de reter lembranças dos nossos momentos juntos. O “papai” que construí na minha mente é baseado nas fotos e nas histórias que ouvi sobre você.  Presença sempre tão querida e intensa. Me orgulho da pessoa generosa e brincalhona que era e confesso uma pontinha de inveja daqueles que possuem tantas lembranças suas.  Sempre senti que essas pessoas eram, de alguma forma, muito mais próximas de você do que eu jamais tive chance de ser.

Especialmente no dia dos pais, me pego pensando em como teria sido minha vida se você tivesse estado presente.  Não consigo conter a curiosidade e me pergunto, em pensamento, por que maneira carinhosa você teria me chamado e quais de suas características me fariam lhe considerar um herói. O meu herói.   E, voltando a ser menina, sonho com o quanto deve ser bom ter um herói só pra si.  Imagino qual teria sido sua reação quando lhe apresentasse meu primeiro namorado e quais teriam sido suas doces palavras quando tudo terminou.  Pergunto-me como teriam sido nossos papos, quais seriam nossas cumplicidades e até quais de seus defeitos me incomodariam mais.  Curiosa, fico imaginando que traços de sua personalidade eu herdei, qual era a textura do seu cabelo e o tom da sua voz.   Vou ainda mais longe nos pensamentos e me pergunto que mulher eu seria hoje se você nunca tivesse partido.

Em dias como hoje, é fácil deixar que as feridas da alma sejam abertas e cutucadas com cada foto postada por amigos juntos aos seus pais e lindas e sinceras declarações no Facebook.  É fácil se deixar levar pelo sentimento de vítima, como se a vida, insensível e cruelmente, houvesse me negado o simples direito de ter um pai.  Sabe, pai, durante muitos anos cultivei esse sentimento de que minha vida, ainda muito cedo, havia sido mutilada com a sua partida.  E não me culpo por isso pois era a única maneira que eu, como criança, sabia enxergar a sua morte.  Mas, com o passar dos anos,  percebi que eu usava esse sentimento, ainda que inconscientemente, para justificar minha agressividade gratuita e  rebeldia insana.

Fui aprendendo aos poucos que a maneira que lidamos com as nossas dores e perdas  – já que estamos todos, sem exceção, sujeitos a elas – é o que faz de nós seres melhores.  Aprendi que podemos dar um significado diferente ao sofrimento através da maneira que escolhemos responder a ele. Todos podemos escolher entre viver como uma ferida ambulante ou usar nossas dores de maneira que nos fortaleçam emocional e espiritualmente.  Em seu maravilhoso livro “Em busca de sentido”, Viktor Frankl descreve isso lindamente:

“Forças além de seu controle podem tirar tudo o que você possui, exceto uma coisa, sua liberdade de escolher como reagir à qualquer situação. Você  pode não controlar o que acontece com você na vida, mas você sempre pode controlar o que vai sentir e o que vai fazer em relação ao que acontece com você.”

Forças além do meu controle tiraram você da minha vida no primeiro dia daquela tão esperada primavera de 1982, dois dias depois do meu aniversário de três anos, deixando em nossos corações um grande vazio, mas também uma grande lição. Não devemos viver a vida esperando ansiosamente pelas flores e nos esquecendo que os dias de inverno podem ser igualmente lindos e ainda mais importantes se pensarmos que podem ser os últimos.   “É preciso saber viver”, já dizia a música ainda da sua época. E saber viver é saber aceitar as noites frias de inverno e ainda assim florescer na estação seguinte.

Você faz falta, pai, ainda faz e sempre fará.

Feliz dia dos pais.[:]

Comments 16

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  1. Lindo texto Lysiane!
    Me identifiquei muito com o seu texto, perdi meu pai no dia 21 de julho de 2014, uns dias antes do Dia dos Pais e um mês e quatro dias antes de seu aniversário, dia e que faria 66 anos.
    Meu pai era cardíaco, porém era um homem forte e sadio, mas a grande máquina (seu coração), decidiu parar de funcionar naquela manhã do dia 21 de julho.
    Como você mencionou, existem coisas que sempre ficarão, meu pai era um pai maravilhoso, somos em quatro irmãos e todos lamentamos muito a sua perda, mas um dia iremos nos reencontrar querida, nós os abraçaremos e diremos pessoalmente todas as coisas que ficaram por dizer…
    Fique com Deus!
    Tenho certeza, de onde quer que estejam, conseguem nos ver. ..
    Abraço.
    Josélia Henkels.
    Ganhei o seu link através da Ana Paula, sua prima…

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      Oi Josélia,
      Muito obrigada pelo seu comentário, querida.
      Sabemos que no fundo, todos nós temos os mesmos sentimentos de dor e de medo. Compartilhá-los nos faz mais próximos, como se mesmo sem nos conhecer, amparássemos uns aos outros.
      Sinto muito pela perda do seu pai.
      Beijo no coração,
      Lysiane.

  2. Lys, minha querida amiga, mais um texto lindo ao seu nível. Me identifiquei muito e me emocionei, pois também perdi meu Pai muito cedo, com apenas 8 anos e agora estou tendo o privilégio Divino de ser Pai e espero poder ter toda a saúde do mundo para ser sempre presente! Bjs Thi

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      Thi, como eu disse, estamos todos sujeitos às dores e às perdas. O importante é o que fazemos delas. Você é uma pessoa incrível e tenho a mais absoluta certeza de que será um pai maravilhoso. Beijão

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  3. Minha sobrinha que mal vejo, mas que amo muito!
    Suas palavras me reportaram ao livro “A Cabana”. Se não o leu, leia-o!
    Seu pai gostava muito de conversar comigo, falar de suas preocupações e angústias, de alguns de seus sonhos de vida! E isso desde os tempos de estudante. Tivemos muitas horas de longos papos. Depois que foi para Irati, só nos falamos de vez em quando, por telefone. Um certo domingo, à noite, ele me ligou e falamos da vida, falou-me do tombo que levara ao escorregar, falamos de pássaros e natureza (eram nossa paixão!), falamos de poesia, recitamos versos um para o outro… Achei sua voz um pouco triste… Três dias depois, na quarta-feira, ele nos deixou… Acho que ligou para dar “adeus”!…
    Pedi muitas vezes que me aparecesse para a gente conversar… Um dia, tive um sonho com ele e novamente conversamos, eu com muitas perguntas! Uma delas foi: “E a Laís? E as crianças?” E a resposta veio, com um sorriso: “Mano, de onde estou, e é um lugar muito bonito, OLHO POR TODAS ELAS!”
    Qualquer dia eu lhe conto esse sonho.
    Um beijão do tio Ângelo.

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      Querido tio,
      Muito obrigada por dividir essa história comigo. Cada vez que ouço sobre o meu pai, sinto-me mais próxima dele. Na verdade, sinto que ele realmente existiu. E saber que ele sempre olha por nós é muito confortante.
      Por favor, me conte esse sonho, sim. Vou querer saber todos os detalhes! 🙂
      Um beijão

  4. Flor me emcionei com suas palavras. Tenha certeza que seu psi esta olhando e cuidando sempre de vcs e com mto orgulho da filha que tem!!! Bjs flor

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  5. Oi Lysi. Falar o que???
    Qdo vier a Itajubá, me ligue. Vamos bater “aquele” papo. Nossas vidas se entrelaçaram por coincidências divinas. Precisamos dividir. Te amo. Bjss

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      Querida Evangelina,
      Você também é muito especial pra mim. Vou te ligar com certeza para conversarmos e dividirmos nossas coincidências divinas.
      Um beijão! <3

  6. Que lindo Lysi, onde seu pai estiver com certeza é muito orgulhoso do ser incrível que você se tornou. Beijos no coração

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